segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

MOMENTO POÉTICO - MARIO QUINTANA - O POETA DAS COISAS SIMPLES

Mario Quintana não se casou nem teve filhos. Solitário, viveu grande parte da vida em hotéis: de 1968 a 1980, residiu no Hotel Majestic, no centro histórico de Porto Alegre, de onde foi despejado quando o jornal Correio do Povo encerrou temporariamente suas atividades, por problemas financeiros e Quintana, sem salário, deixou de pagar o aluguel do quarto. Na ocasião, o comentarista esportivo e ex-jogador da seleção Paulo Roberto Falcão cedeu a ele um dos quartos do Hotel Royal, de sua propriedade. A uma amiga que achou pequeno o quarto, Quintana disse: "Eu moro em mim mesmo. Não faz mal que o quarto seja pequeno. É bom, assim tenho menos lugares para perder as minhas coisas".
Essa mesma amiga, contratada para registrar em fotografia os oitenta anos de Quintana, conseguiu um apartamento no Porto Alegre Residence, um apart-hotel no centro de Porto Alegre, onde o poeta viveu até sua morte. Ao conhecer o espaço, ele se encantou: "Tem até cozinha!".Em 1982, o prédio do Hotel Majestic, que fora considerado um marco arquitetônico de Porto Alegre, foi tombado. Em 1983, atendendo a pedidos dos fãs gaúchos do poeta, o governo estadual do Rio Grande do Sul adquiriu o imóvel e transformou-o em centro cultural, batizado como Casa de Cultura Mario Quintana. O quarto do poeta foi reconstruído em uma de suas salas, sob orientação da sobrinha-neta Elena Quintana, que foi secretária dele de 1979 a 1994, quando ele faleceu.Segundo Mário, em entrevista dada a Edla Van Steen em 1979, seu nome foi registrado sem acento. Assim ele o usou por toda a vida.Em 2006, no centenário de seu nascimento, várias comemorações foram realizadas no estado do Rio Grande do Sul em sua homenagem.
Mario Quintana era filho de Celso de Oliveira Quintana e de Virgínia de Miranda, fez as primeiras letras em sua cidade natal, mudando-se em 1919 para Porto Alegre, onde estudou no Colégio Militar, publicando ali suas primeiras produções literárias. Trabalhou para a Editora Globo, quando esta ainda era uma instituição eminentemente gaúcha, e depois na farmácia paterna.

Considerado o "poeta das coisas simples", com um estilo marcado pela ironia, pela profundidade e pela perfeição técnica, ele trabalhou como jornalista quase toda a sua vida. Traduziu mais de cento e trinta obras da literatura universal, entre elas Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust, Mrs Dalloway de Virginia Woolf, e Palavras e Sangue, de Giovanni Papini.

VAMOS A ALGUNS POEMAS DE MARIO QUINTANA

Poema da Gare do Astapovo


O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos

E foi morrer na gare de Astapovo!

Com certeza sentou-se a um velho banco,

Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso

Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo,

Contra uma parede nua...

Sentou-se... e sorriu amargamente

Pensando que

Em toda a sua vida

Apenas restava de seu a Glória,

Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas

Coloridas

Nas mãos esclerosadas de um caduco!

E então a Morte,

Ao vê-lo sozinho àquela hora

Na estação deserta,

Julgou que ele estivesse ali à sua espera,

Quando apenas sentara para descansar um pouco!

A Morte chegou na sua antiga locomotiva

(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)

Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,

E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu...

Ele fugiu de casa...

Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...

Não são todos os que realizam os velhos sonhos da infância!



Trecho de diário


Hoje me acordei pensando em uma pedra numa rua de Calcutá.

Numa determinada pedra em certa rua de Calcutá,

Solta, sozinha. Quem repara nela?

Só eu, que nunca fui lá,

Só eu, deste lado do mundo, te mando agora este pensamento...

Minha pedra de Calcutá!




O Profeta

Para os homens, que eram cegos,

Tu querias, Profeta, dizer a Verdade

E os olhos dos homens iluminaram-se de êxtase:

As tuas palavras estavam cobertas, ajaezadas, escorrentes de poesia

Como esses cadáveres floridos de algas e espumas que as dragas

levantam do fundo do abismo...

Tu quiseste dizer a Verdade e disseste a Beleza!

E choraste.

Mas os anjos sorriam-te...

Porque a Beleza é a forma angélica da Verdade.



O Mapa


Olho o mapa da cidade

Como quem examinasse

A anatomia de um corpo...

(É nem que fosse meu corpo!)

Sinto uma dor esquisita

Das ruas de Porto Alegre

Onde jamais passarei...

Há tanta esquina esquisita

Tanta nuança de paredes

Há tanta moça bonita

Nas ruas que não andei

(E há uma rua encantada

Que nem em sonhos sonhei...)

Quando eu for, um dia desses,

Poeira ou folha levada

No vento da madrugada,

Serei um pouco do nada

Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar

Pareça mais um olhar

Suave mistério amoroso

Cidade de meu andar

(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso...



Este Quarto...


Este quarto de enfermo, tão deserto

de tudo, pois nem livros eu já leio

e a própria vida eu a deixei no meio

como um romance que ficasse aberto...



que me importa esse quarto, em que desperto

como se despertasse em quarto alheio?

Eu olho é o céu! imensamente perto,

o céu que me descansa como um seio.



Pois o céu é que está perto, sim,

tão perto e tão amigo que parece

um grande olhar azul pousado em mim.



A morte deveria ser assim:

um céu que pouco a pouco anoitecesse

e a gente nem soubesse que era o fim...

2 comentários:

Nandão disse...

Muito bom mesmo!!! Na biblioteca da escola noêmia tem a obra completa dele. A biblioteca empresta para a comunidade.
Este blog está uma fênix mesmo. Da morte do pato para Mário Quintana..

Aquele abraço...

Nandão

well disse...

legal Nandão, o pato ainda continua ameaçado, rsss