sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

QUE TIPO DE LEITOR VOCÊ É?

Tenho visto por ai, com muita decepção, algumas pessoas definindo-se como amantes de leitura, da literatura e outros embloguios mais.
Há muita diferença entre um amante da literatura e um intelectual de orelha de livros. Para se ter uma idéia de quem é esse tal intelectual de orelhas de livro, basta você começar a falar a respeito de algum livro, que o sujeito, se leu as orelhas do livro, vai entrar num papo cabeça e, se você leu o livro, tente aprofundar o assunto: com certeza o sujeito pedirá licença para ir ao banheiro.

Orelha de livro é esse textinho ao lado da capa do livro. Cheio de profundidade para os "amantes da leitura" que cito acima.

NOTAS PARA UMA DEFINIÇÃO DO LEITOR IDEAL:

O leitor ideal é o escritor no exato momento que antecede a reunião das palavras na página.
O leitor ideal existe no instante que precede o momento da criação.
O leitor ideal não reconstrói um história: ele a recria.
O leitor ideal não segue uma história: participa dela.
Um famoso programa da BBC sobre livros infantis começava, invariavelmente, com o animador perguntando: “Vocês estão sentados confortavelmente? Então vamos começar”. O leitor ideal é também o sentador ideal.
Representações de são Jerônimo mostram-no debruçado sobre sua tradução da Bíblia, ouvindo a palavra de Deus. O leitor ideal deve aprender a ouvir.
O leitor ideal é o tradutor. Ele é capaz de dissecar o texto, retirar a pele, fazer um corte até a medula, seguir cada artéria e cada veia e depois dar vida a um novo ser sensível. O leitor ideal não é um taxidermista.
Para o leitor ideal todos os recursos são familiares.
Para o leitor ideal todas as brincadeira são novas.
“É preciso ser um inventor para ler bem.” Ralph Waldo Emerson.
O leitor ideal tem uma aptidão ilimitada para o esquecimento. Ele pode afastar de sua memória o conhecimento de que Dr. Jekill e Mr. Hyde são a mesma pessoa, que Julien Sorel terá sua cabeça cortada, que o nome do assassino de Roger Ackroyd é Fulano de Tal.
O leitor ideal não está interessado nos escritos de Brett Easton Ellis.
O leitor ideal sabe aquilo que o escritor apenas intui.
O leitor ideal subverte o texto. O leitor ideal não pressupõe as palavras do escritor.
O leitor ideal é um leitor cumulativo: sempre que lê um livro ele acrescenta uma nova camada de lembranças à narrativa.
Todo leitor ideal é um leitor associativo. Lê como se todos os livros fossem obra de um autor intemporal e prolífico.
O leitor ideal não pode expressar seu conhecimento por meio de palavras.
Depois de fechar o livro, o leitor ideal sente que se não o tivesse lido o mundo seria mais pobre.
O leitor ideal tem um senso de humor perverso.
O leitor ideal jamais contabiliza seus livros.
O leitor ideal é ao mesmo tempo generoso e ávido.
O leitor ideal lê toda literatura como se fosse anônima.
O leitor ideal julga um livro por sua capa.
Ao ler um livro de séculos atrás, o leitor ideal sente-se imortal.
Paolo e Francesca não eram leitores ideais, pois confessaram a Dante que depois de seu primeiro beijo pararam de ler. Leitores ideais teriam se beijado e continuariam lendo. Um amor não exclui o outro.
O leitor ideal não sabe que é o leitor ideal até chegar ao final do livro.
O leitor ideal compartilha a ética de Dom Quixote, o desejo de Madame Bovary, a luxúria da esposa de Bath, o espírito aventureiro de Ulisses, a integridade de Holden Caufield, ao menos no espaço textual.
O leitor ideal percorre as trilhas conhecidas. “Um bom leitor, um leitor importante, um leitor ativo e criativo é um leitor que relê.” Vladimir Nabokov.
O leitor ideal é politeísta.
O leitor ideal assegura, para um livro, a promessa da ressurreição.
Robinson Crusoe não é um leitor ideal. Lê a Bíblia para encontrar respostas. Um leitor ideal lê para encontrar perguntas.
Todo livro, bom ou ruim, tem seu leitor ideal.
Para o leitor ideal, cada livro é lido, até certo ponto, como sua própria autobiografia.
O leitor ideal não tem uma nacionalidade precisa.
Às vezes, um escritor pode esperar muitos séculos para encontrar seu leitor ideal. Blake demorou 150 anos para encontrar Northrop Frye.
O leitor ideal de Stendhal: “Eu escrevo para apenas cem leitores, para seres infelizes, amáveis, encantadores, nunca moralistas ou hipócritas, aos quais eu gostaria de agradar; só conheço um ou dois deles”.
O leitor ideal conhece a infelicidade.
Os leitores ideais mudam com a idade. Aquele que aos catorze anos foi o leitor ideal dos Veinte poemas de amor de Neruda já não o é aos trinta. A experiência apaga o brilho de certas leituras.

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